terça-feira, outubro 17, 2006

QUANDO A LEI ALCANÇA O SIMBÓLICO - Uma evolução legal

Publicado em dezembro de 2001 a partir da análise de sentenças judiciais

“ Todos os rituais que envolvem gestação e parto são
preparativos para a chegada do mais novo membro
familiar, por que seria diferente em casos de adoção? ”


Nos últimos tempos alguns juizes passaram a conceder licença maternidade a mães que adotam crianças e alguns poucos cidadãos se espantaram com a medida. Mas pra que? Se não houve gravidez e conseqüente ato cirúrgico e se a criança não será amamentada qual a razão da licença?

A medida tomada pelos juízes evidencia no mínimo cultura e sensibilidade de percepção, e significa o reconhecimento jurídico dos aspectos emocionais envolvidos na delicada questão da relação mãe –filho.

Trabalhos realizados por aqueles que se dedicam a estudar as relações primordiais da criança, evidenciam uma complexidade de mecanismos que virtualmente exibem uma espécie de cordão umbilical pós-natal, muito embora ele tenha fisicamente desaparecido com o ato do nascimento. As comunicações entre mãe e filho após o nascimento ultrapassam uma compreensão superficial.

As condições especiais de receptividade à criança que acabou de nascer, colaboram efetivamente não somente para sua maturidade física, mas principalmente para a maturidade emocional. Todos os rituais que envolvem gestação e parto nada mais são do que preparativos com a finalidade de tranqüilizar e criar um ambiente propício para a chegada do mais novo membro da comunidade familiar.
Por que seria diferente em casos de adoção? Apesar de muitas vezes já fisicamente desenvolvidos, os adotados em alguns momentos revelam um déficit circunstancial dadas às condições especialíssimas da transmissão familiar, só reparável à presença constante de um representante do novo ambiente. Isto quando não se opera uma transmissão institucional, como no caso de crianças que vieram de instituições, o que torna ainda maior a necessidade de uma atenção especial. Talvez aí resida a importância das medidas judiciais adotadas.
O que torna nossa espécie mais humana é a possibilidade de uma identificação. As bases dessa identificação se tornarão efetivas a partir de uma presença inicialmente indispensável e progressivamente dispensável da mãe. Em caso de adoção, a regra não se faz diferente, mas sim a compreensão de um fenômeno puramente emocional e simbólico. As funções Materna e Paterna ultrapassam os limites do patrimônio genético e começam a soterrar de vez os antigos preceitos ou preconceitos de que mãe é uma só. Isso até é real, mas somente para aquelas que não se abdicam da função.
A maternidade não se limita à genética e muito menos ao gênero e o mesmo se pode dizer em relação à paternidade. Talvez seja esta a percepção, bastante acurada que esteja na base das decisões que hoje perturbam parte da sociedade, por seu caráter de originalidade e conseqüente ruptura da tradição. Paternidade e maternidade, exercício pleno, diário e de natureza psicológica. Uma suposta clonagem de Hitler não traria de volta o ditador alemão, pra felicidade geral e dos judeus.
O reconhecimento jurídico das nuances emocionais, quase sempre invisíveis, contribui de forma radical para um melhor desempenho da sociedade e poderia ser ainda maior se tal reconhecimento fosse mais geral e menos específico.